Cara Ignoramus: nenhuma alfarroba é OGM.

Diz a base legal em vigor que os produtos constituidos por uma só matéria-prima (entre outros) devem mencionar o seu país de origem. A mim convém-me – gosto de poder optar pela produção nacional e saber que os alimentos foram produzidos de acordo com as regras comunitárias, que a pecar, pecarão por excesso. Mas umas noções vagas de toxico e microbiologia encaram melhor o excesso do que o defeito em matéria de segurança alimentar. Em contrapartida toleram mal as afirmações na rotulagem que, não querendo dizer nada, capitalizam com uma iliteracia científica generalizada, e o dever de proteger quem dela padece é das autoridades governamentais.

 

A empresa Ignoramus é livre de fazer jus ao nome e aproveitar as vergonhosas empreitadas legais que lhe permitem vender suplementos alimentares sem regulação científica, que na melhor das hipóteses fazem nada e na pior podem provocar danos difíceis de engolir. Já em matéria de primários está mais limitada legalmente, sem que isso a impeça, porém, de comercializar farinha de alfarroba que não menciona o país de origem. Em vez disso diz uma coisa que ninguém quer saber: Sem OGM.

 

É aceitável que as árvores de onde saíram as vagens possam não ter sido enxertadas, o que efectivamente faz  delas organismos que não foram geneticamente modificados por intervenção humana. Mas é pouco credível que seja essa a modificação a que a empresa se refere. O que a Ignoramus quer dizer é que levou a cabo o acto revolucionário de não incluir nas suas santas embalagens uma coisa que não existe. Não há no mercado, e que eu tenha notícia noutro lado qualquer, alfarrobas com transferência/modificação genética laboratorial.

 

Os ingredientes-fantasma, aqueles que aparecem mencionados por não constarem no produto, têm uma certa razão de ser. O leite, por exemplo, que por certas proteínas pode provocar reacções alérgicas severas (e até fatais) deve ser mencionado obrigatoriamente na lista de ingredientes de maneira destacada se fizer parte do alimento. Outro motivo para essa obrigatoriedade é a presença de lactose, um sacarídeo, que pode ser objecto de intolerância, um efeito diferente e mais brando do que uma alergia. Na alergia há uma reacção do sistema imunitário. Na intolerância há uma irritação do sistema digestivo. Não obstante a realidade, a lógica da generalidade dos rótulos alerta para o contrário, que o grande perigo do leite estará na lactose. E este é um sinal inequívoco do bingo em que se tornou a indústria.

 

A menção de que o produto não contém OGM pressupõe a ausência de um perigo quando o perigo é precisamente a continuação de um mito conveniente para o negócio da ignorância com bases tão recomendáveis como a irracionalidade, o anti-progresso e a alimentação de uma guerrinha mais requentada do que fria entre uma Rússia anti-democrática e um Ocidente cada vez mais aparvalhado que confunde passa-tempos de uma burguesia aborrecida com activismo ambiental enquanto quarenta por cento das crianças timorenses sofrem de alguma forma de subnutrição às mãos de uma agricultura ancestral e tão natural como a fome.

 

As competências do consumidor devem ter as medidas que lhe forem possíveis. As do legislador e fiscalizador devem ser as que assume quando entra em funções e que são nada menos que zelar cirurgicamente pelo direito de viver numa sociedade segura onde o acto de comprar um alimento não careça de uma pós-graduação em biologia e que não fomente, sobretudo, a desconfiança  generalizada em que se tornou o hábito  de comer.

 

Um dia precisaremos eventualmente de usar a engenharia genética para melhorar ou corrigir a alfarroba. Por agora não se lhe conhecem ameaças, no futuro não se sabe. Se o enxerto convencional não chegar, venha o laboratório, tal como aconteceu com a papaia do Havai.

 

As resistências à mudança são tão inevitáveis como a própria mudança. Por que razão é que a alfarroba, rica em açúcares e pobre em gorduras, é uma alternativa “saudável” ou “equilibrada” ao cacau, rico em gorduras e pobre em açúcares, é um mistério que ando para resolver há anos enquanto assisto, maravilhada, à técnica CRISPR aplicada ao cacaueiro que, na hora do perigo, continua sem alternativa que lhe valha. E tento descortinar na espuma do champanhe dos burgo-activistas os argumentos que aí vêm – agora que já se lhes resolveu o problema da transferências de genes entre espécies diferentes.

 

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